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A vida é muito curta para ter chefes sem talento

[Por Mariliz Pereira Jorge via Folha de SP]

Gente como eu às vezes é preterida em cargos mais altos porque fala o que quer e não o que o patrão quer ouvir. Sou paga pra trabalhar e fazer as coisas funcionarem e não para agradar alguém. Mas alguns (poucos, é verdade) chefes não pensavam assim. Logo davam um jeito de me mandar pra bem longe. Demitida, se fosse possível.

Eu nunca soube fazer o jogo da puxa-saco-agradecida-por-estar-graças-a-deus-trabalhando-aqui. Nunca tive talento para sorrir quando me sentia insatisfeita e muito menos para concordar quando achava tudo medíocre. “Você olha para ele com cara de desprezo”, me disse um colega sobre a expressão meiga com a qual eu fuzilava um patrão. “E ele percebe.”

Um deles chegou a dizer – fiquei sabendo – que eu me achava melhor do que todo mundo. Eu não me achava melhor do que todo mundo, tive colegas brilhantes com quem aprendi muita coisa. Mas eu era certamente mais capaz do que o tal chefe. A maioria das pessoas com quem eu trabalhava nessa empresa, com quem dividia o café ruim e a insatisfação eram mais capazes do que ele.

Me diz, como essas pessoas viram chefes? Como alguém no topo dessa hierarquia não consegue ver que eles são incapazes de gerir uma equipe, que têm competência mediana e zero inteligência emocional, que infernizam seus subordinados por incapacidade de organização, que não conseguem tomar uma decisão sem voltar atrás por insegurança, que não inspiram e não estimulam quem está sob seu chicotinho?

Muita gente se acomoda, reclama todos os dias, passa a ter uma vida miseravelmente infeliz, torna-se um profissional tão medíocre quanto seu chefe. Fica estagnado na carreira. A única evolução à vista é ter sua gastrite transformada numa úlcera.

Tive uma chefe de quem eu morria de medo. Não porque ela era má, mas porque era um gênio. Ela era um pouquinho brava, na verdade. Mas em três anos aprendi com ela o que eu não conseguiria em 20 com um dos chefes que tive. Simplesmente porque ele não tinha nada a ensinar.

Não dá pra receber ordens de gente que sabe menos ou que tem menos experiência do que você. A gente dá um puta duro, faz cursos, mora fora, trabalha em lugares diferentes, viaja, aprende línguas, sai, conhece gente, tem mil experiências, frequenta exposições esquisitas, lê livro chatos e um belo dia descobre que seu chefe será um cara que trabalhou sempre na mesma empresa e que nunca saiu de Iguaba.

Nada contra Iguaba. Tudo contra ter um chefe que nunca saiu de lá e o único talento é falar baixo, sorrir na hora certa e fazer tudo o que mandam sem contestar. A minha conta não fecha.

Precisamos trabalhar com gente que admiramos. Ou ao menos perto delas. A gente tem que olhar para essas pessoas e pensar ‘taqueopariu’, como é que eu vim parar aqui?

Na primeira vez que trabalhei na Folha, em 1999, suava e tremia toda vez que o jornalista Clóvis Rossi entrava no elevador. Aconteceu várias vezes e eu sempre afundava meu rosto em algum livro para não dar bom dia. Tinha medo que ele falasse comigo e eu acabasse pedindo um autógrafo.

Fiz jornalismo muito por causa dele, cresci sonhando em trabalhar no mesmo jornal. Ele foi uma grande inspiração para que eu saísse de uma cidade pequena e me mudasse pra São Paulo sem conhecer quase ninguém.

Tive um outro ídolo na adolescência. Lembra de Solange Duprat, interpretada pela Lidia Brondi, em Vale Tudo? Franja reta, cabelo ruivo. Anos 1980 e ela conseguia ser descolada usando ombreira! Solange me mostrou um mundo que eu nem sabia que existia, das revistas de moda, do glamour de uma redação. Anos depois eu via o prédio da Editora Abril e falava: um dia vou passar o crachá nessa catraca todos os dias.

Clóvis é real. Solange de mentirinha. O que eles têm em comum? Me fizeram sonhar, ter um objetivo, me mostraram que a gente precisa ter bons modelos, e ótimos chefes que nos estimulem, inspirem, ensinem o que precisamos. E, principalmente, que nos abram o caminho para mostrar o que temos de melhor.

Só assim a gente se esforça para valer a oportunidade que tem, só assim a gente faz cada vez melhor para merecer estar onde chegamos. Com um chefe mais ou menos, dá pra fazer mais ou menos, concorda? Você liga no automático e pronto. Ele nunca saberá que você pode mais porque ele não sabe que pode haver mais. Quem perde nessa história é você – que, além de tudo, ainda ganha muito menos do que ele.

Melhor pedir as contas – ou ser demitido. A vida é muito curta pra ter chefes sem talento.

Postagem original Folha de SP

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  • Denise Fiumarelli

    Olá Mariliz! Acho que agora encontrei uma inspiração. Há tempos não leio algo que me tocasse tanto e fizesse algumas coisas se encaixarem. Obrigada pelo compartilhamento =) Abs.,

  • Augusto

    Com essa postura você não vai à lugar algum. Fazer cara feia pra chefe, revirar os olhos quando não concorda, ficar falando mal de chefe pelas costas…

    Se você quiser crescer onde trabalha, faça o seu trabalho direito, discorde do que quiser da maneira mais polida possível, e respeite o chefe independente de concordar ou não.

    • Valquiria Carvalho

      Discordo totalmente. Chefes mandam, líderes inspiram.
      Ela descreveu chefes, daqueles que crescem não por competência, somente networking. E posso dizer? Tem muitos caindo da cadeira por aí, pois não sustentam-se por muito tempo, ao contrário.
      Já os líderes nos inspiram, escutam opiniões opostas sem melindres, ao contrário, eles sabem da importância do conhecimento, da soma de QIs e como agregam e, portanto, eles ganham respeito e admiração.
      Ninguém quer trabalhar com medíocres que mandam, não inovam, permanecem com suas velhas verdades e não escutam outras mentes.
      Já conheci ambos e, na boa, eu só trabalho com líderes.